No mês que vem há eleição para o Caell. Diante disso, colocam-se diferentes perspectivas sobre o propósito de um Centro Acadêmico.
Hoje o Caell, na maioria das vezes, cumpre um papel que está bastante aquém do que poderia. A lógica que rege toda a sua atuação, desde a formação das chapas até a gestão cotidiana da entidade, corrobora esta impotência. Consequentemente, o Caell torna-se cada vez mais afastado dos estudantes, e isto se expressa na baixíssima porcentagem de votantes nas eleições, um número que chega a ser menor do que o dos que participam nas assembléias nos momentos de greve.
Por um lado, há o PSTU, com estudantes que se aglutinam ao seu redor e que acabam reféns de sua lógica de utilizar a entidade estudantil para levar adiante projetos políticos sem nenhuma discussão com os estudantes e nem mesmo mantendo uma mínima democracia interna na própria gestão. Esta lógica não só desilude os estudantes sinceros que formam as chapas com eles, como afasta o conjunto dos estudantes do Caell, reforçando a concepção de que as entidades “não servem para nada”.
Por outro lado, vemos uma lógica, que se expressou em alguns momentos da gestão “Olhos Livres”, que procura combater esta forma de atuação, se colocando com o propósito de “abrir a entidade para todos os estudantes”, sem dizer como isto se daria concretamente e sem apontar a serviço de qual política se colocaria tal entidade. Assim, acabam se adaptando ao que muitos estudantes acreditam que deve ser o Caell: uma entidade que se pauta em uma atuação clientelista, tornando-se quase um “prestador de serviços”, reduzindo-se a organizar festas ou algumas discussões que supostamente tratam das questões pertinentes aos estudantes de letras, como literatura e cultura, porém de maneira completamente desvinculada do que ocorre na Universidade e fora dela, e sem nem ao menos estabelecer um diálogo crítico em relação ao próprio currículo que vemos todos os dias nas salas de aula.
Nos piores casos, o esvaziamento da discussão política permite que grupos ou indivíduos se apropriem do CA com interesses individuais ou corporativos completamente alheios aos dos estudantes e principalmente aos daqueles que não estudam na Universidade, ainda que a sustentem com o pagamento de seus impostos. Como exemplo emblemático, há a gestão que cedeu o espaço estudantil para que seus parentes abrissem a papelaria e a lanchonete. Isso mostra que as práticas “aparelhistas” são fruto da falta de democracia e esvaziamento político da entidade, ou seja, não pelo fato de serem ou não compostas por partidos políticos, mas muitas vezes por decorrência da política que defendem determinados partidos ou estudantes independentes.
Nos colocamos contra todas estas formas de encarar uma entidade estudantil, e defendemos uma entidade militante e democrática, que possa servir como ferramenta de organização política, cultural e social dos estudantes, permitindo que as diferentes idéias dos grupos e indivíduos que atuam na Letras possam se expressar e, conjuntamente, construir uma atuação frente aos problemas que enfrentamos. Assim, fazemos um chamado à discussão a todos àqueles que, vendo o evidente descolamento e despolitização do atual processo eleitoral, optam por atuar por fora do processo e, assim, acabam não apresentando uma alternativa concreta que expresse uma concepção distinta de Centro Acadêmico.
É impossível levar a frente qualquer luta dos estudantes, ainda que seja uma questão fundamental, como o combate à Univesp, sem discuti-la amplamente entre todos, capilarizando as discussões em cada sala de aula e permitindo que cada estudante utilize o Caell como ferramenta de organização para se expressar politicamente. Isto não pode ser realizado sem uma entidade que esteja aberta para que os estudantes a componham e discutam sua política ativamente. Para tanto, é necessário instituir a proporcionalidade na gestão da entidade, ou seja, que todas as chapas que concorrem à eleição componham a diretoria da entidade de acordo com a proporção de votos. É numa entidade assim composta que o programa político de cada chapa pode ser debatido democraticamente, e as políticas da gestão discutidas a partir de cada sala de aula e decididas em fóruns abertos, como reuniões e assembléias de curso.
Num curso com a dimensão da Letras, onde circulam milhares de estudantes todos os dias, uma ferramenta de organização política fundamental é um jornal, onde as diferentes posições poderão se expressar livremente, fomentando um debate entre os estudantes a respeito das questões fundamentais. Foi isto, por exemplo, que defendemos desde o começo do ano em relação à Univesp, mas que infelizmente foi feito tardiamente e de forma bastante precária, impedindo que pudesse de fato fortalecer esta discussão entre os estudantes.
Além disso, consideramos fundamental que os estudantes, através de sua entidade, se coloquem ativamente para debater e intervir nos principais processos políticos que ocorrem não apenas dentro da Universidade, mas do país e do mundo. Assim, reivindicamos inúmeros exemplos de como o movimento estudantil deve atuar, como é o caso dos estudantes do CA de Letras da UBA (Universidade de Buenos Aires), que organizaram diversos atos na rua e ocupações de faculdades em solidariedade à luta contra as demissões de trabalhadores da transnacional Kraft-Foods. Aqui no Brasil também temos exemplos que, mesmo em proporções menores, apontam esta perspectiva: assim é a campanha que, a partir do Movimento A Plenos Pulmões e do grupo de mulheres Pão e Rosas, temos realizado em solidariedade à luta do povo hondurenho contra o golpe; ou a forma como atuamos também, junto aos estudantes combativos da UNESP e da PUC, para retomar as entidades estudantis das mãos das gestões atreladas ao governo e distantes dos estudantes; entre outros exemplos. Um Centro Acadêmico que esteja voltado para estas questões pode potencializar em muito estas lutas, difundindo-as entre os estudantes e construindo-as cotidianamente.
Acreditamos que é papel fundamental das entidades estudantis construir uma forte aliança com os trabalhadores, dentro e fora da Universidade, em defesa do acesso universal à educação pública, do fim do vestibular, e incorporar as demais demandas dos trabalhadores. Dentro da USP, uma das formas mais importantes de concretizar esta aliança é nos unirmos ao Sintusp, que é um sindicato exemplar na luta dos trabalhadores, e realizou a maior greve do país no primeiro semestre. Esta greve é um marco na luta contra a repressão à liberdade de organização política, tendo colocado a luta pela readmissão de Brandão, mas também pelas demandas dos estudantes e daqueles que estão fora da universidade, lutando contra a precarização do ensino através do projeto da Univesp. Além disso, o Sintusp deu outros exemplos de lutas que devemos travar em conjunto, como a luta contra a terceirização, que, na prática, significa um regime de semi-escravidão dos trabalhadores que beneficia os interesses privados dos dirigentes da USP, que abocanham as verbas através de suas próprias empresas terceirizadas que aqui atuam. Recentemente, temos ainda o importante exemplo da anticandidatura de Chico de Oliveira e o boicote às eleições pra reitor, construídos conjuntamente com os trabalhadores, e que expressam uma luta contra a estrutura de poder autoritária da USP, além de apresentar um programa bastante amplo e profundo de democratização da Universidade.
Por ser um sindicato que rompe as barreiras do sindicalismo rasteiro das burocracias sindicais, se colocando por transformações profundas, o Sintusp tem sofrido uma série de ataques por parte da reitoria e do governo estadual: demissão inconstitucional do Brandão, ameaça de mais demissões, processos criminais contra a diretoria, negação de liberação sindical, ameaça de demolição do sindicato, retenção do salário de uma das principais ativistas, etc. O Sintusp já provou mais de uma vez que deve ser nosso aliado prioritário para as lutas que travamos e deve ser incondicionalmente defendido e incorporado em todas as nossas lutas.
Como parte dessa necessária aliança com os trabalhadores, atualmente construímos o Coletivo Agir, que, junto ao Sintusp, procura colocar concretamente o conhecimento produzido na Universidade a serviço dos trabalhadores, através de cursos, aulas, debates e discussões políticas, tomando a educação como ferramenta para a emancipação política dos trabalhadores e também como formação dos próprios estudantes e professores. Entendemos isso como uma necessidade diante do fato de que muitos trabalhadores, especialmente os terceirizados, são analfabetos ou não tem um nível de educação formal mínimo para que possam ter acesso a uma compreensão política mais totalizante de sua própria condição enquanto classe.
Consideramos também de extrema importância que as entidades estudantis lutem contra a opressão às mulheres cotidianamente, tanto na academia quanto no movimento estudantil. Esta opressão se expressa em fatos como, por exemplo, freqüentes casos de violência nas moradias estudantis, ou pela diferente composição em cada curso, onde os que possuem mais prestígio e melhor remuneração possuem uma porcentagem muito maior de homens. Assim, reivindicamos a nossa atuação no grupo de mulheres Pão e Rosas nesta luta, salientando o combate pela legalização do aborto como uma forma também de nos colocarmos em defesa dos direitos democráticos mais elementares.
As questões ligadas mais especificamente ao nosso curso, como o currículo, os espaços estudantis ou as questões de arte e cultura, devem ser discutidas amplamente. Porém, se estes debates forem feitos sem uma compreensão mais ampla da Universidade e do papel social que esta cumpre, podem se tornar estéreis, na medida em que tais questões não estão colocadas “por fora” da sociedade e, portanto, a sua compreensão profunda passa necessariamente por mudanças mais contundentes. Devemos compreender o papel desta instituição, que se encontra estreitamente associada aos interesses mercadológicos das empresas e da reprodução da ideologia dominante.
Para compreendermos o desenvolvimento da literatura brasileira, por exemplo, não podemos passar “por cima” de todos os interesses e motivações sociais que estão na raiz de sua criação: não se pode, por exemplo, pensar na literatura nacionalista mistificadora de José de Alencar por fora de sua visão conservadora e escravocrata. E não podemos compreender a importância de cada autor em nosso currículo (e a ausência de outros tantos) sem compreendermos o papel social que cumpre a literatura destes. Neste sentido reivindicamos, por exemplo, nossa iniciativa de conformar um grupo de leitura da obra de Lima Barreto, um escritor que, apesar de “canonizado” pela tradição, é sumariamente ignorado pelo nosso currículo. Até hoje, sua literatura estabelece uma postura muito distinta da maioria dos autores que estudamos, utilizando a escrita como uma forma de intervir concretamente na realidade, colocando-se ao lado dos explorados e criticando as instituições mais reacionárias da nascente república brasileira, desde a Academia Brasileira de Letras até o Senado.
É papel de uma entidade militante questionar profundamente esta formação que nos é imposta, que, em sua maioria, vai “capacitar” os professores das escolas que irão reproduzir este conhecimento nas salas de aula, anulando qualquer possibilidade de uma leitura crítica tanto das obras literárias quanto do uso da língua em nossa sociedade, consolidando assim um ensino funcional para a perpetuação da ordem social vigente.
Por isso, convidamos todos aqueles que queiram discutir essa perspectiva para construirmos uma nova tradição de militância no movimento estudantil a participar de nossa reunião de formação de chapa na quinta-feira, 29/10, às 18h, na sala 104.